quarta-feira, 27 de abril de 2011

That 70s Show



Demorei bastante a mergulhar nesta série. Infelizmente, sou um tipo cheio de preconceitos culturais. E qual o preconceito que me impedia de ver esta série? Simples. Ashton Kutcher.

À excepção do "Butterfly Effect" que vi, mantendo sempre longe o pensamento de que estava a ver o Kutcher, sempre me recusei a aturá-lo. Em relação à série em si já tinha visto uns episódios a tarde e más horas na TVI, quando chegava da noitada, e assistia a um ou dois episódios da série "Que loucura de família" (nome com o qual traduziram o título no nosso País). A televisão portuguesa teve nos últimos 15 anos o péssimo hábito de passar sitcoms a horas indecentes (tal como aconteceu com "Seinfeld"). Porque é que enchem o horário nobre com novelas escritas a metro e renegam para as 3 da manhã sitcoms bastante bem escritas? Não é parte da responsabilidade das TVs contribuírem para a cultura dos seus espectadores?

Ah, esqueçam. Isto sou eu a ser utópico.

Desde Dezembro de 2010 que estava a consumir compulsivamente sitcoms. Há aproximadamente 3 anos que tinha o meu primo me dizia "Vê That 70s Show" quase diariamente. Ao que eu respondia sempre com um "Depois vejo".

E assim aconteceu, entre Janeiro e Fevereiro deste ano devorei as 8 seasons desta grande série, que ultrapassou todas as expectativas no que concerne a longevidade, e que a mim, ultrapassou todas as barreiras do preconceito cultural.

Conceito

O conceito da sitcom é bastante simples: criar uma série de comédia que expresse preocupações, situações, pensamentos da vivência individual, política, social, económica e cultural dos EUA nos anos 70. Se o primeiro pensamento que vos vem à memória é a célebre sitcom dos anos 70 "All in the family" acreditem que é esse o espírito. Com a grande diferença que à excepção de "All in the Family", That 70s detém um humor mais transversal, cativando uma audiência mais vasta, apesar de à priori, devido ao seu elenco, parecer uma série unica e exclusivamente direccionada para jovens.

Elenco e Personagens

Há dois grupos distintos de actores/personagens nesta série: os jovens e os adultos.

Os jovens são quase todos actores estreantes nas lides televisivas que tiveram aqui a sua primeira experiência dramática. O personagem principal, Eric Foreman, interpretado por Topher Grace é o personagem principal, e é na sua casa e especialmente no seu porão que sucede grande parte da história. Eric é o desajustado jovem de 17 anos, tímido, e um total geek por Star Wars. O female lead é de Donna Pinciotti, interpretado por Laura Prepon, uma personagem forte, representando os ideais de emancipação feminina em fulgor nos anos 70. Steven Hyde, interpretado por Danny Masterson, é possivelmente o meu personagem favorito. Ele representa o típico tough guy, com ideais notoriamente de esquerda e que alimenta (e cria) teorias conspiracionistas com o Governo Americano. Em relação aos comic relieves da série, eles ficam a cargo de Fez (acrónimo para Foreign Exchange Student), interpretado por Wilmer Walderamama, que é o estudante estrangeiro oriundo de um País não-identificado (situação que é uma gag recorrente da série) e que representa por um lado o alvo de comentários racistas da parte do americano típico; e Michael Kelso, interpretado por Ashton Kutcher, o típico jock imbecil , burro e infantil que nos habituámos a ver nos media americanos. Jackie Burkhart, interpretada por Mila Kunis, representa a popular girl rica e vazia, que foi ganhando destaque à medida que a série avançou. Apesar de ser este o elenco principal, a série contava também com a promíscua Laurie Foreman, irmã de Eric, interpretada por Lisa Robin Kelly E Christina Moore (sem qualquer explicação da parte da produção) e Randy Pearson, interpretado por Josh Meyer e que foi integrado à pressa na série para preencher o espaço deixado vago pela saída de Grace e Kutcher, e que representa o jovem mais próximo dos anos 80, do que propriamente dos anos 70.

Os adultos, representados por actores experientes, conseguiram cativar o público da mesma forma que o elenco mais jovem. Os pais de Foreman, Red, interpretado por Kurtwood Smith, é o típico americano conservador, que em muito faz lembrar o Archie da referida série "All in the family", e Kitty, interpretada por Debra Jo Rupp, uma enfermeira carinhosa que de uma certa forma funciona como a figura maternal de todo o grupo de jovens. Os Pinciotti, pais de Donna, com menos relevâncias que os Foreman, são outro casal de destaque na série. Apenas Bob, interpretado por Don Stark, um americano liberal e excessivamente ingénuo se manteve na série na sua totalidade, visto que Midge, interpretada por Tanya Roberts que representa uma espécie de MILF, saiu na 5ª temporada. Para finalizar temos o hippie viciado em drogas, Leo Chingkwake, interpretado por Tommy Chung, que com a saída de Kutcher na última season assumiu a dianteira de personagem "burro" da série.

Em geral os personagens são muito bons. Se inicialmente os autores pensaram-nos com desnível de importância (colocando o peso do protagonismo em Eric e Donna) com o passar do tempo os personagens, devido à forte sinergia que mantinham uns com os outros acabaram por fazer passar despercebido o protagonismo da série. De todos o personagem menos bem conseguido foi Randy Pearson, e na minha opinião por duas razões: o elenco juvenil começou a sua carreira em simultâneo, e percebe-se ao longo da série a evolução que os actores vão tendo na arte de representar, aliado ao crescimento dos personagens, facto que, o actor Josh Meyer não soube acompanhar; e por outro lado pelas circunstância de inserção do personagem na série. Com o já referido vazio deixado pelas saídas de Foreman e Kelso, os autores tiveram de improvisar um novo personagem para aquela que seria a última temporada da série, personagem esta que se revelou um fracasso quando comparada com a dimensão que as outras já tinham ganho.

Em relação ao meu pequeno ódio de estimação com Kutcher ele não mudou, e aliás passei a adorá-lo no papel de Michael Kelso. Mas apenas aí.

Humor

O humor da série é, na minha opinião, do mais alto nível. Consegue afastar-se simultaneamente de um humor mais directo e do humor excessivamente encriptado, conseguindo agradar a variado tipo de audiência.

Refiro especialmente uma situação recorrente da série: o Círculo. Os autores conseguiram inteligentemente, ao longo de 8 temporadas, representar em cada episódio o grupo sentado em círculo a fumar marijuana, deixando sempre este acto ímplicito, e enquanto que a câmara, posicionada no centro girava para focar personagem a personagem, estes tinham diálogos absurdos, sobre essencalmente nada, mas que me conseguiam sempre roubar uma gigantesca e genuína gargalhada.

Com a típica estrutura de sitcom, em que cada episódio é um stand-alone, podendo ou não fazer parte de uma story-arc transversal que atravessava vários episódios, a série conseguiu manter o fôlego do humor inteligente e criativo até ao início da temporada 8. Tal como se antevia, a dinâmica da série era a optimizada ligação entre os personagens jovens e adultos. Com a saída de Grace e Kutcher, e integração de Meyer, a série perdeu bastante da sua piada e senti que apenas, com o aproximar do final da série (que termina no Revéillon de 1979 para 1980) e em especial no final da série em que tanto Foreman e Kelso regressam, a série se encerrou a si mesma de forma digna, selando as pontas que tinham ficado soltas e dando um final devidamente construído aos seus personagens.


Para mim, que sou e sempre fui fã de sitcoms (em que "Frasier" aparecia em lugar cimeiro do meu top) "That 70s show" consegue ser uma boa imagem da sociedade dos anos 70, e simultaneamente descontrair-nos com um óptimo humor, personagens memoráveis, credíveis, e por quem qualquer espectador consegue mais ou menos, criar uma ligação. Sem dúvida um must-see para os fãs de sitcoms, ou para aqueles que apenas se querem sentar no sofá e desfrutar de bom humor, que nunca, mas nunca, nos rotula na testa como "Idiotas".

Classificação

Season 1-7

Season 8

Todas as imagens e personagens são propriedade da Fox Broadcasting Company.

1 comentário:

  1. Uma série brutal e muito bem conseguida, depois de devorar as 8 seasons seguidas, ja vou na 3ª volta, isto é: ja vi a série 3 vezes... e ja penso em uma quarta, só um conselho: Vejam!!!!

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